Exposição do Maes, ‘Sete Caminhos: do Maes ao Quintal Bantu’ reaviva herança africana no ES

today28 de setembro de 2022
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Mostra reúne instalação multissensorial e mapa interativo para reconectar Centro de Vitória a parte, apagada, de sua própria história

Os artistas Rafael Segatto, Renan Bono e Welington Santos abrem a exposição Sete Caminhos: do Maes ao Quintal Bantu, no dia 8 de outubro, no Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio del Santo (Maes). 

A mostra se assenta sobre dois eixos: oito instalações, entre sonoras e multissensoriais, no espaço expositivo do Maes, e um mapa interativo que extrapola o tradicional museu e, por sete caminhos, o conecta ao Quintal Bantu, local simbólico para a cultura Afro-Bantu localizado no Morro da Fonte Grande, em Vitória.

A proposta da exposição é reconectar o Centro de Vitória ao legado cultural dos bantu, povos originários da África Central que aportaram no Espírito Santo ao final do século XVI por força da escravidão, mas cujas heranças culturais sofreram violento processo de apagamento histórico.  

A abertura será marcada por uma procissão com concentração a partir das 8h no Quintal Bantu. A saída está marcada para 9h em direção ao Maes.

Para Rafael Segatto, a exposição propõe um exercício de consciência ao estabelecer um jogo entre o pequeno calunga (cemitério) – símbolo do fado de morte que o Brasil, historicamente, lega a corpos racializados – e o grande calunga, o retorno ao mundo dos vivos, lugar de dignidade, humanidade e liberdade.

“Por isso, a importância do Morro da Fonte Grande e do Quintal Bantu, da dança dos ancestrais pelas matas, pedras e águas nesse território, para que possamos ritualizar o grande calunga, celebrar a memória e a vida em sua bantuidade”, diz Segatto.

Instalações
Com elementos sonoros e plásticos, Sete Caminhos: do Maes ao Quintal Bantu propõe uma experiência multissensorial através de oito instalações no espaço expositivo do Maes. A ideia é mobilizar os sentidos da visão, audição, tato e olfato dos visitantes em ambientes distintos, ainda que integrados.

A exposição tem enfoque em sonoridades a partir do congo e apresenta elementos sagrados às culturas Bantu, como a aroeira, planta de limpeza e proteção, e o calcário, existente no fundo dos mares e essencial para a conexão entre os mundos, representados pelas conchas de sururu, ossos de animais marinhos e giz de pemba.

Responsável pela criação visual da exposição, Rafael Segatto desenvolve há alguns anos um percurso artístico e estético ligado a um íntimo trabalho no mar – seja em contato com pescadores, seja pela natação, explorando as águas e as ilhas de Vitória. O artista destaca que as instalações dão continuidade a esse percurso.

“O que está posto são ideias de fixação e flutuação, que me faz refletir sobre movimento, ponto central de minhas investigações. Acho que a ideia de água e terra são estruturantes para traduzir isso que falo. O limite entre o espaço continental e marítimo, essa zona de fruição, que é tênue e ao mesmo tempo bem delimitada. Então, o pensamento espacial e a dimensão das obras são como são por essa vivência. A escolha das materialidades também”, reflete Segatto.

Nascido e criado no Morro da Fonte Grande, Welington Santos realiza as criações sonoras da exposição. O artista utiliza instrumentos criados por ele mesmo e, ainda, outros utilizados no congo, samba e candomblé. “A exposição proporciona o conhecimento do caminho violento e desumano que o povo preto sofreu, desde a África até a chegada ao Brasil”, diz.

Renan Bono elaborou a composição e curadoria de cantos para o Cucumbi, o cortejo de abertura da exposição, e, também, o desenho de som da mostra. Aqui, explica, o som complementa a parte plástica e ajuda a configurar a ambiência do espaço.

“As representações sonoras trazem referências do cosmograma bakongo, kalunga, umbanda/candomblé, além de histórias ancestrais e da trajetória do povo Bantu em Vitória. A ideia na expografia é muito mais uma experiência sonora do que musical”.

Mapa interativo
O outro eixo da exposição é um mapa interativo contendo relatos e textos escamoteados pela história oficial. Esse mapa será materializado em sete caminhos que ligam o Maes ao Quintal Bantu – Rua Sete de Setembro, Rua Graciano Neves, Ladeira São Bento, Rua Coronel Alziro Viana, Rua Nestor Lima, Rua Medardo Cavalini e a escadaria da Fonte Grande – e disponibilizado via QR code no museu, com sinalização instalada nesses logradouros e no Quintal Bantu.

Idealizador do mapa, Renato Santos, membro da família Pereira dos Santos, estabelecida há mais de um século no Morro da Fonte Grande, explica que o projeto vê o Maes e o Quintal Bantu como dois centros gravitacionais opostos.

“O Quintal Bantu está no Maciço Central, ou seja, um local real desde sempre. O Maes está localizado em um lugar que era mar e depois virou aterro. Ou seja, é um lugar que foi instituído. Vejo o mapa, portanto, como um caminho de saída, ou de salvação, para aquilo que, para o povo preto, é socialmente construído, como racismo institucional, que, por sua vez, alimenta o racismo estrutural”, explica.

Renato aprofunda essa perspectiva e lembra que os sete caminhos, antigamente, eram córregos que corriam para o mar e, portanto, para a África. “A ligação nunca foi perdida. Nós nunca esquecemos quem somos. Agora, nós estamos materializando e verbalizando quem somos”.

Para Renata Segatto, coautora do projeto cartográfico e assistente de pesquisa, o mapa e a exposição materializam modos de se perceber os mundos. “A ideia de trazer os mapas no site, enquanto narrativas produzidas no Quintal Bantu, é mostrar como a gente compreende a história, o território num todo, mas também os nossos territórios. O Quintal Bantu vem mostrando suas maneiras de se expressar no mundo, não agora com os mapas, mas desde quando os bantus ocuparam o Morro da Fonte Grande”, analisa.

A exposição Sete Caminhos: do Maes ao Quintal Bantu foi contemplada pelo edital de Exposições em Artes Visuais do Museu de Arte do Espírito Santo (Vitória/ES) 2020 e conta com recursos do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), da Secretaria de Estado da Cultura do Estado do Espírito Santo (Secult).

Sobre Rafael Segatto


Artista multidisciplinar e jornalista. Sua prática artística se constitui no trânsito entre o domínio continental e o domínio marinho. Elabora noções sobre movimento, desdobra a ideia de paciência de pescador e investiga o calcário através de fósseis marinhos. Participou do Ciclo II da residência artística Pivô Pesquisa 2021 (São Paulo/SP). Foi contemplado pelo Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo com o projeto Sete caminhos: do Quintal Bantu ao Maes no edital Projetos Artes Visuais 2020; com o Monumento a Kitembo “de onde o olho mira”, no edital Projetos Artes Visuais 2019; e com a exposição individual caminhos possíveis no edital de Exposições de Artes Visuais para artistas estreantes da Galeria Homero Massena (Vitória/ES) 2018; além do Projeto de Ocupação do Museu Capixaba do Negro “Verônica da Pas” (Mucane) (Vitória/ES) 2019 com a individual Paciência de Pescador.

Sobre Welington Santos


Preto e bantu, nascido no Centro Histórico de Vitória, no bairro da Fonte Grande, berço de culturas que alimentam o Espírito Santo. Fez parte da sua infância vivenciar, praticar e conhecer todos os instrumentos que compõem uma bateria de escola de samba. Graduado em Educação Física, praticou e graduou na arte da capoeira. Multipercussionista, fez parte do grupo Kumby e é integrante do grupo de samba e bloco de carnaval Regional da Nair. Também é anfitrião e colaborador do espaço cultural Quintal Bantu. 

Sobre Renan Bono


Músico e jornalista. Desenvolve pesquisa musical focada em ritmos afro-diaspóricos e suas transformações culturais no Brasil. É músico integrante do grupo de samba e bloco de carnaval Regional da Nair. Atua como colaborador e articulador cultural no espaço Quintal Bantu. Desenvolveu trabalhos audiovisuais como os podcasts Até o Mar Acabar Com Os Peixes (2020), idealizado pelo artista Rafael Segatto, e De Onde o Olho Mira (2019), idealizado pelos artistas Rafael Segatto e Natan Dias. Foi agente cultural da multiplataforma Infinitas, em que atuou como pesquisador musical e produtor de conteúdo nos projetos Infinitas/Reconecta (2016), Estúdio Infinitas (2015), Fábrica.Lab Infinitas (2014), Casa.Lab Infinitas (2013). Foi apresentador e editor do programa Tardes Infinitas(2012 a 2016) na Rádio Universitária FM (Vitória/ES).

Sobre Renato Santos


Nascido no Morro da Fonte Grande, Vitória, em 1967, é bailarino formado no método Royal Academy of Dance (RAD), pelo Estúdio de Ballet Lenira Borges (Vitória-ES) e no método de Dança Afro Brasileira Cênica de Mercedes Baptista. É membro fundador da primeira companhia profissional de dança afro-brasileira cênica do Espírito Santo, o Negra-ô. Foi Coordenador do Curso de Dança da Escola Técnica de Teatro, Dança e Música (FAFI), da Prefeitura Municipal de Vitória (2009/2013). Em 2013, foi responsável pela elaboração e lançamento do Curso de Qualificação em Dança Afro Brasileira Cênica“, Método Mercedes Baptista, do Museu Capixaba do Negro (Mucane), da Prefeitura de Vitória. Atualmente é coordenador da Ação Multidimensional de avivamento da História da Diáspora Africana no Centro Histórico, no Morro Fonte Grande e da Piedade, em Vitória.

Sobre Renata Segatto


Corpo-terreiro em movimento, rebenta ibeji, nascida em Vitória e criada em diversas cidades entre o Espírito Santo, Bahia e Minas Gerais. Pesquisadora independente, Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e mestranda em Urbanismo no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, integrante do grupo de pesquisa EtniCidades (PPGAU-UFBA). Aposta na contracolonialidade para pensar noções de corpo(s), a cidade e os saberes através da prática de terreiro e da ancestralidade. Atualmente pesquisa a relação de coexistência de vida e morte na produção das cidades, através dos seus trânsitos entre Vitória e Salvador (BA), assim como dos terreiros e cemitérios, buscando vestígios e ruínas que contem histórias de diferentes modos no tecido urbano. 

Serviço
A exposição Sete Caminhos: do Maes ao Quintal Bantu será aberta no dia 8 de outubro, a partir das 9h, no Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio del Santo (Maes).
Av. Jerônimo Monteiro, 631, Centro, Vitória.
Gratuito.
Visitação: de 8 de outubro de 2022 a 08 de janeiro de 2023.
Horários: de terça a sexta-feira, de 10h às 18h. Sábados e domingos, de 10h às 16h. 

Contato: 3132- 8390/8393. E-mail: [email protected].

Ações educativas 
A exposição Sete Caminhos: do Maes ao Quintal Bantu também contempla ações educativas voltadas para professores, educadores, estudantes e público em geral, além de visitas mediadas para grupos escolares. Todas as ações serão presenciais.

Encontros de formação para professores
Ações de caráter formativo, os encontros pretendem introduzir conhecimento que contorna o currículo escolar hegemônico, de base eurocêntrica e de apagamento da história do continente africano como parte fundamental de nossa concepção de mundo. O resgate da história do povo bantu, desde sua presença no continente africano até sua permanência no Espírito Santo, ocorrida pela diáspora, e influência cultural desses povos, são o fio condutor dos encontros.

Os encontros acontecerão nos dias 18 de outubro, de 9h às 12h; 19 de outubro, de 14h às 17h.

Ações com o público em geral
A exposição também contempla três ações para o público em geral. No dia 28 de outubro (à noite, em horário a definir), acontece o Encontro com Castiel Vitorino: “Corpo, terra, águas e matas: a ciência ancestral na educação, nos cuidados e nos

processos de criação artística”. O encontro com a artista é uma gira que saúda as culturas africanas e afro-diaspóricas.

No dia 4 de novembro (à noite, em horário a definir) haverá bate-papo com os artistas e lançamento do material educativo. Aqui, haverá uma parte voltada para as experiências trocadas com os professores durante a formação.

E nos dias 19 de novembro de 3 de dezembro (ambos à tarde e em horário a definir) será realizada uma visita mediada à exposição, com caminhada até o Quintal Bantu.

Visita mediada no Museu (para grupos escolares)
As visitas mediadas, voltadas para grupos escolares, serão realizadas de acordo com agendamentos no espaço expositivo do Maes.

fotos Claraboia Imagem/Divulgação

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