Médica alerta: “cirurgia bariátrica não é a solução para obesidade”

today15 de agosto de 2024
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A endocrinologista Mariana Guerra cobrou, durante audiência pública promovida pelo deputado Gandini, a distribuição, pelo SUS, de medicamentos modernos que evitem o ganho descontrolado de peso sem inibir a fome, para reduzir a corrida pela realização de cirurgias bariátricas

A endocrinologista e delegada da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), Mariana Guerra, fez um alerta: “Pensando em obesidade enquanto doença crônica, só fazer a cirurgia bariátrica não é a solução. Existe um alto índice de reganho de peso no processo pós-operatório. É um paciente que precisa de atenção por toda a sua vida.”

Mariana foi uma das especialistas que participaram da audiência pública “Protocolo de Obesidade existente no Estado do Espírito Santo”, realizada ontem (14), pela Frente Parlamentar de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Diabetes da Assembleia Legislativa, que é presidida pelo deputado estadual Fabrício Gandini (PSD).

A preocupação com o tema é justificada pelos números. Mais de 1 bilhão de pessoas no mundo têm obesidade. No Brasil, a doença atinge quase 25% da população, sem falar que mais de 60% das pessoas estão com sobrepeso.

No Espírito Santo, 70% dos adultos estão acima do peso, sendo que, destes, 37% apresentam quadro clínico de obesidade. Os dados relativos a 2023 são da pesquisa sobre vigilância de fatores de risco de doenças crônicas, realizada no âmbito do Ministério da Saúde.

Uma das pautas discutidas na audiência pública foi como encontrar uma solução para a melhoria do tratamento da obesidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, o único recurso oferecido pelo governo federal é a cirurgia bariátrica, sendo que a fila de espera, até o ano passado, ultrapassava os 7 mil pacientes.

O ES gasta R$ 4 milhões por ano com cirurgias bariátricas. O assunto foi destaque na Assembleia Legislativa, em audiência pública que contou com a participação da endocrinologista Mariana Guerra, a nutricionista Lorena Bucher e a ativista Inara Silva.

“O Estado apresenta essa conta, onde pagar a cirurgia bariátrica talvez fosse mais acessível do que manter o tratamento crônico com a medicação. Não é só a conta da cirurgia, e o paciente que enfartou porque estava com obesidade? E o paciente que está com diabetes? Não dá pra esperar ele chegar nesse grau de precisar da bariátrica, alguma coisa precisa ser feita antes”, cobrou Mariana.

A cirurgia é recomendada apenas em casos em que o paciente esteja com o Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 40, ou 35 com doenças associadas (diabetes, hipertensão, etc.). Segundo o Obesity Week 2016, a obesidade está associada a mais de 229 complicações – entre elas diabetes tipo 2, insuficiência cardíaca e hipertensão arterial sistêmica – e a 14 tipos de câncer.

Durante a audiência pública, especialistas defenderam a necessidade de mais visibilidade na sociedade acerca da gravidade que a obesidade representa.

Segundo Mariana, que também atua na Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), são necessárias políticas públicas para enfrentar a obesidade, desde medidas preventivas na atenção primária à saúde, passando por programas de reeducação alimentar.

MEDICAMENTOS
Ela destaca ainda como importante a distribuição, pelo SUS, de medicamentos modernos que evitem o ganho descontrolado de peso sem inibir a fome, permitindo ao paciente se alimentar de forma balanceada, mantendo-se nutrido, podendo evitar a realização de cirurgias bariátricas.

A endocrinologista lamentou que, ao invés disso, o que se tem visto em muitos casos são pacientes ganhando cada vez mais peso, devido ao sedentarismo e alimentação ruim, chegando ao ponto de descontrole que tem feito crescer cada vez mais no país a fila de candidatos à cirurgia bariátrica.

“Essa operação é muito difícil de ser conseguida pelo SUS devido à grande demanda. E também não deve ser vista como solução da obesidade, já que boa parte dos bariátricos ganha excesso de peso novamente, e esse procedimento pode ser evitado se houver medidas preventivas”, observou.

Representando a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), a chefe do Núcleo Especial de Atenção Especializada (NEAE), Raiany Jalles, admitiu que o Estado não consegue achar soluções sozinho para o problema e que conta com o apoio dos especialistas.

“Não dá para tratar a obesidade no Espírito Santo apenas com bariátrica. Já existe um gasto de R$ 4 milhões por ano no Estado para isso. Precisamos de uma atenção primária, mas ainda não existe um protocolo de como isso precisa ser feito”, afirmou.

Em números proporcionais, de acordo com a população, o Espírito Santo é o estado que mais oferece cirurgias bariátricas e, em termos absolutos, fica em 4º lugar, atrás apenas de São Paulo, Paraná e Minas Gerais.

A diretora da Associação dos Diabéticos do Espírito Santo (Adies), Lorena Bucher, defendeu que não apenas o Estado, mas também as prefeituras, contratem nutricionistas e endocrinologistas para atuarem em programas de reeducação alimentar. Nesse sentido, solicitou ao presidente da Frente, deputado Gandini (PSD), que encaminhe ofício aos prefeitos solicitando informações sobre o número desses especialistas que atendem nos serviços municipais de saúde.

Ela disse que é preciso fazer um mapeamento para saber quantos nutricionistas e endocrinologistas estão disponíveis para atender as pessoas nas cidades da Grande Vitória e do interior. “Vamos fazer um levantamento para propor contratações e implantação de programas de prevenção e combate à obesidade”, sugeriu.

Nutricionista, Lorena considera que a maioria das pessoas não sabe o que está ingerindo, já que não entende o que é um carboidrato, as funções do arroz e do feijão, os efeitos desastrosos do excesso de açúcar na alimentação, e por que é importante ingerir frutas, legumes e proteínas.

Durante a reunião, houve relatos de pessoas com obesidade sobre dificuldades enfrentadas para conseguirem tratamento pelo SUS e outros desafios no Estado.

GORDOFOBIA
Inara Silva, ativista e fundadora do Projeto Fênix Beleza Plus, alertou sobre a gordofobia, o preconceito contra pessoas gordas, que muitos pacientes sofrem até mesmo de médicos e outros profissionais de saúde.

Segundo ela, muitos desses profissionais demonstram irritação pelo fato de os obesos não conseguirem emagrecer, pois acreditam que se trata apenas de uma questão de “fechar a boca” (comer menos).

“Ninguém é gordo e tem obesidade porque quer. O nosso trabalho é buscar políticas públicas e conscientizar as pessoas de que a gente precisa de tratamento e ser ouvido”, desabafou.

Inara relatou ainda que muitas pessoas com obesidade têm morrido devido à demora na fila dos que aguardam por cirurgia bariátrica. Já houve também, segundo disse, paciente que morreu devido à falta de maca com tamanho adequado para transportar pessoas obesas. Ela citou o caso de um paciente que teria ficado oito horas dentro de uma ambulância sem condições de ser levado para dentro do hospital.

O deputado Gandini declarou que a ideia é que o Estado adote a medicação necessária para atender as pessoas com obesidade, mas que outras medidas também precisam ser tomadas.

“É um problema sério de acesso à saúde pública. Nós temos números absurdos: 70% da população está acima do peso. O medicamento é uma ação paliativa. A gente precisa, de fato, formar um cidadão com essa consciência. Vamos enviar uma série de solicitações aos municípios. O cidadão precisa chegar à Unidade de Saúde e ter um encaminhamento da sua situação”, cobrou.

créditos divulgação e Ellen Campanharo/Assembleia Legislativa

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